Empresário é condenado por manter funcionários em condições análogas à escravidão, em Santos

Em ação ajuizada pelo MPT em Santos, a justiça Trabalhista afastou empresário de suas atividades e fixou multa em R$ 1 milhão.

São Paulo, 16/11/2023 - Juíza da 7ª Vara Trabalhista de Santos condenou o proprietário das lojas Trance Games, de produtos eletrônicos, e de um restaurante em Santos, no litoral de São Paulo, por submeter seus funcionários a jornadas exaustivas, retenção de documentos e pertences pessoais, ausência de pagamento do salário mínimo, de férias e de 13º, e trabalho em condições degradantes, o que configura trabalho semelhante ao escravo.

A juíza determinou multa por danos morais coletivos no valor de R$ 1 milhão e condenou o empresário ao afastamento de todas as atividades empresariais, assim como o confisco de todo e qualquer bem de valor econômico, com a consequente liquidação e alienação dos bens e reversão do valor angariado ao Fundo de Amparo do Trabalhador.

A sentença é resultado de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho em Santos, após investigação concluir que o empresário sonega pagamento de verbas rescisórias e de vínculo de emprego, persegue funcionários e promove trabalho infantil.

Todos os fatos foram comprovados pela fiscalização de auditores da Superintendência do Trabalho e Emprego, que lavraram quatro autos de infração em razão da sonegação de vínculo de emprego, ausência de anotações fiscais, atraso no pagamento de salários e embaraço à atuação dos agentes fiscalizadores.

Testemunhas e documentos com anotações colhidos durante investigação apontam que os funcionários tinham uma jornada exaustiva de 14 a 24 horas de trabalho, sem o intervalo estipulado por lei. De acordo com os depoimentos, os empregados eram convocados para uma reunião no dia de pagamento, que estendia madrugada adentro, quando o empresário anotava os horários de entrada e saída dos funcionários durante o mês, sem registro das horas extras. Os trabalhadores assinavam recibos com o valor diferente do recebido e, muitas vezes, pegavam o salário em dinheiro.

Os trabalhadores eram monitorados por câmeras de segurança e submetidos a revistas pessoais com contato físico diariamente. Seus pertences eram trancados em um armário e se quisessem comprar algo para comer, a refeição era, obrigatoriamente, comprada no restaurante do empresário, que descontava os valores no pagamento, sem controle dos empregados, prática conhecida como truck system, quando o empregador mantém o empregado em trabalho de servidão por dívidas.

O empresário também mantinha adolescentes trabalhando em suas lojas. Em um dos depoimentos há o caso de uma adolescente de 15 anos, que trabalhava das  09:00h às 20:00h, após organização da loja e revista, e recebia R$ 600,00 por mês. Para o MPT, ficou configurado a contratação de trabalho infantil sem observar os preceitos legais quanto à legislação pertinente ao menor aprendiz, horário escolar e pagamento de remuneração adequada.

O Grupo Trance, ao qual pertence todas as empresas investigadas, possui mais de 10 lojas de produtos eletrônicos (Trance Games), um restaurante (Culinária Artesanal), e um shopping denominado Centro Santos, todos de propriedade do empresário Paulo Roberto da Silva Ursini. Para o MPT, “não se trata de um pequeno comerciante desorientado; o comportamento patronal agrediu os principais pilares da Constituição da República: os princípios da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho (art. 1ºIII e IV); o direito fundamental de não ser submetido a tratamento desumano ou degradante (art. 5º III), de ter um emprego que proporcione a melhoria de sua condição social, não sua marginalização (art. 7º) e de usar de sua propriedade nos limites de sua função social (art. 5ºXXIII, 170 III e 186 III e IV)”.

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