Ministérios Públicos assinam acordo com Volkswagen sobre repressão na ditadura
Em ajuste com MPF, MPSP e MPT, empresa destinará R$ 36,3 milhões a iniciativas de reparação e promoção dos direitos humanos
23 de setembro de 2020 - A Volkswagen do Brasil assumiu o compromisso de destinar R$ 36,3 milhões a ex-trabalhadores da empresa presos, perseguidos ou torturados durante o governo militar (1964-1985) e a iniciativas de promoção de direitos humanos e difusos. A disponibilização dos recursos foi anunciada nesta quarta-feira em uma nota pública dos Ministérios Públicos Federal (MPF), do Estado de São Paulo (MPSP) e do Trabalho (MPT). As três instituições firmaram com a Volkswagen um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), um acordo extrajudicial que estabelece obrigações à empresa para que não sejam propostas ações judiciais sobre a cumplicidade da companhia com os órgãos de repressão da ditadura.
O acordo encerrará três inquéritos civis que tramitam desde 2015 para investigar o assunto. Ao longo das apurações, os Ministérios Públicos identificaram a colaboração da Volkswagen com o aparato repressivo do governo militar a partir de milhares de documentos reunidos, informações de testemunhas e relatórios de pesquisadores, um contratado pelo MPF e outro pela própria empresa. Do montante total fixado no TAC, R$ 16,8 milhões serão doados à Associação Henrich Plagge, que congrega os trabalhadores da Volkswagen. O dinheiro será repartido entre os ex-funcionários que foram alvo de perseguições por suas orientações políticas, seguindo critérios definidos por um árbitro independente e sob a supervisão do MPT.
Outros R$ 10,5 milhões reforçarão políticas de Justiça de Transição, conjunto de medidas adotadas para o enfrentamento do passado ditatorial, como projetos que resgatam a memória sobre as violações aos direitos humanos e a resistência dos trabalhadores na época. Uma dessas iniciativas é o Memorial da Luta por Justiça, desenvolvido pela seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/SP) e pelo Núcleo de Preservação da Memória Política (NPMP). O projeto receberá R$ 6 milhões, valor suficiente para a conclusão de sua implantação na sede da antiga auditoria militar em São Paulo. Os R$ 4,5 milhões restantes serão destinados à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) para o financiamento de novas pesquisas sobre a colaboração de empresas com a ditadura e para a identificação das ossadas de presos políticos encontradas em uma vala clandestina no cemitério de Perus em 1990.
Além disso, a Volkswagen obrigou-se a pagar R$ 9 milhões aos Fundos Federal e Estadual de Defesa e Reparação de Direitos Difusos. A empresa também publicará em jornais de grande circulação uma declaração pública a respeito do assunto. O TAC prevê ainda que um relatório sobre os fatos investigados será publicado pelos Ministérios Públicos e que a companhia apresentará sua manifestação jurídica sobre o caso. Todas as medidas devem ser cumpridas assim que os órgãos de controle do MPF e do MPSP confirmarem os arquivamentos dos inquéritos, o que deve ocorrer até o fim deste ano. Estima-se que os desembolsos financeiros definidos no acordo sejam efetuados em janeiro de 2021.
“O ajuste de condutas estabelecido nesta data é inédito na história brasileira e tem enorme importância na promoção da justiça de transição, no Brasil e no mundo. O enfrentamento do legado de violações aos direitos humanos praticadas por regimes ditatoriais é um imperativo moral e jurídico. Não se logra virar páginas ignóbeis da história sem plena revelação da verdade, reparação das vítimas, promoção da responsabilidade dos autores de graves violações aos direitos humanos, preservação e divulgação da memória e efetivação de reformas institucionais, sob pena de debilidade democrática e riscos de recorrência”, afirmaram os representantes do MPF, do MPSP e do MPT na nota pública divulgada.
“O Brasil, infelizmente, segue como um caso notável de resistência à promoção ampla dessa agenda e, não por acaso, ecoam manifestações de desapreço às suas instituições democráticas. No mundo, por outro lado, são ainda raros os episódios de empresas que aceitam participar de um processo dessa natureza e rever suas responsabilidades pela colaboração com regimes autoritários”, concluíram.