MPT rejeita denúncias de suposto “racismo” contra empresa
Magazine Luiza foi denunciado ao órgão por seleção de trainees reservada a negras e negros
São Paulo, 24 de setembro de 2020 - O Ministério Público do Trabalho em São Paulo indeferiu na última semana uma série de denúncias recebidas contra o Magazine Luiza S/A relatando discriminação por parte da empresa em processo de seleção para trainees voltado para pessoas negras. Para o MPT, o caso concreto não se trata de violação trabalhista, mas sim de uma ação afirmativa de reparação histórica.
Em 18 de setembro, o Magazine Luiza abriu seleção para vagas de trainee em que, para poderem participar, os candidatos teriam que se declarar negros. Ao todo, o MPT recebeu 11 denúncias em que a empresa é acusada de promover “prática de racismo”, nas palavras de um dos denunciantes, pois “impede que pessoas que não tenham o tom de pele desejado pela empresa” participem do processo seletivo.
No indeferimento, o MPT afirma que a política da empresa é legítima e que não existe ato ilícito no processo de seleção, pois a reserva de vagas à população negra é plenamente válida e configura ação afirmativa além de “ elemento de reparação histórica da exclusão da população negra do mercado de trabalho digno”. Essa exclusão se traduz na falta de oportunidades de acesso ao emprego, na desigualdade de remuneração e na dificuldade de ascensão profissional, “quando comparado aos índices de acesso, remuneração e ascensão profissional da população branca”.
Em 2017, uma pesquisa do Instituto Ethos com as 500 empresas de maior faturamento do Brasil alertou que os profissionais negros correspondiam a apenas 6,3% dos postos de gerências e 4,7% do quadro executivo. O estudo ilustra que nas posições de liderança se refletem as desigualdades raciais que impedem a representatividade majoritária da população negra, configurando o racismo estrutural que inviabiliza a equidade no mercado de trabalho.
MPT também ressaltou no indeferimento que ações afirmativas como a do Magazine Luiza possuem amparo na Constituição Federal, no Estatuto da Igualdade Racial (lei 12.288/2010) e na Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, da qual o Brasil é signatário. Além disso, são objeto de atuação estratégica e prioritária do próprio MPT, por meio do Projeto Nacional de Inclusão Social de Jovens Negras e Negros no Mercado de Trabalho, consolidado em 2018 na Nota Técnica do Grupo de Trabalho de Raça.
Em nota divulgada no último dia 20/9, após o início da polêmica sobre o processo seletivo do Magazine Luisa, o MPT fez um chamamento às empresas para implementarem o projeto nacional de inclusão e para que respeitem “ações positivas tendentes à promoção da igualdade racial no trabalho, no marco do texto constitucional, tratados internacionais e legislação nacional”.
Saiba mais como empresas podem e devem desenvolver programas DE contratação específica para população negra na nota técnica do MPT: https://mpt.mp.br/.../nota.../@@display-file/arquivo_pdf
Caso de discriminação racial
“O que os empregadores não podem fazer é criar seleções em que haja reserva de vagas ou preferência a candidatos que não integram grupos historicamente vulneráveis”, alerta a coordenadora nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho, procuradora Adriane Reis de Araujo. Em 2006, o Brasil já foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por um caso considerado “prática de discriminação odiosa”.
O caso aconteceu em 1997, quando a empregada doméstica Simone André Diniz denunciou o racismo contido em um anúncio de emprego publicado na Folha, que trazia “preferência branca” como pré-requisito para a vaga. Ao ligar para o número do anúncio e revelar que era negra, Simone foi rejeitada por não preencher os critérios exigidos. Apesar de a própria autora do anúncio ter admitido em investigação a preferência por uma empregada doméstica branca, o caso acabou arquivado.
Segundo a Corte, o Estado brasileiro violou artigos da Convenção Americana de Direitos Humanos e da Convenção Racial ao permitir que um caso de racismo fosse arquivado sem a abertura sequer de uma ação penal, o que acabou sendo considerado prática de racismo institucional.