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Justiça reconhece trabalho escravo na cadeia de produção da M.Officer

São Paulo, 7 de novembro de 2016 – São Paulo, 7 de novembro de 2016 – A M5 Indústria e Comércio, dona da marca M. Officer, foi condenada em 21 de outubro em primeira instância a pagar R$6 milhões por submeter trabalhadores a condições análogas á de escravidão. A sentença é resultado de uma ação civil pública movida pelo Ministério Público do Trabalho em São Paulo em 2014 contra a empresa, após 8 bolivianos terem sido encontrados em condições degradantes em uma oficina que fazia roupas para a marca.

A juíza do Trabalho Adriana Prado Lima determinou que a M5 pague R$ 4 milhões por danos morais coletivos e mais R$ 2 milhões por dumping social (quando uma empresa se beneficia dos custos baixos resultantes da precarização do trabalho para praticar a concorrência desleal). Ela acatou a maior parte dos argumentos dos procuradores e descartou o principal argumento da defesa, de que a empresa não seria responsável pela situação encontrada nas confecções. Determinou, ainda, que a empresa cumpra uma série de obrigações como: garantir meio de ambiente de trabalho seguro e saudável, condições dignas de alojamento e acesso a direitos trabalhistas como piso salarial e anotação da Carteira de Trabalho e Previdência Social, respeitar normas trabalhistas referentes a jornada de trabalho, não permitir a exploração do trabalho de crianças e adolescentes, retenção de documentos e trabalhos forçados e não se aproveitar da vulnerabilidade social e econômica dos trabalhadores para reduzir custos com mão de obra, etc. (Ver sentença aqui)

Para o procurador Rodrigo Castilho, atual responsável pelo caso, a decisão é um marco na justiça do Trabalho. “O resultado da ação abre um precedente importante e fortalece a luta pela erradicação do trabalho escravo.  Este é o primeiro caso julgado procedente desde a promulgação da Lei 14.946/2013 (Lei Bezerra), que pune empresas paulistas que utilizarem trabalho análogo à escravidão em seu processo produtivo com a cassação da inscrição no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Em sua sentença, a juíza determina também que a decisão seja encaminhada à COETRAE (Comissão Estadual para Erradicação do Trabalho Escravo) e a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo para que tomem as providências cabíveis para a aplicação da lei”.

Na ação de 2014 movida pelo MPT-SP, os procuradores do Trabalho Christiane Vieira Nogueira, Tatiana Leal Bivar Simonetti e Tiago Cavalcanti Muniz argumentaram que peças da M. Officer eram produzidas por trabalhadores que realizavam jornadas exaustivas em ambiente degradante (com risco à saúde, à segurança e à vida), além de relacionarem o caso ao tráfico de pessoas. Para os procuradores, esse tipo de exploração é um “modelo consagrado de produção da ré, como forma de diminuição de custos, através da exploração dos trabalhadores em condições de vulnerabilidade econômica e social”.
 
Segundo o MPT, a M5 utilizava empresas intermediárias para subcontratar o serviço de costura, realizado em grande parte por imigrantes em oficinas clandestinas submetidos a jornadas excessivas em condições precárias, sem qualquer direito trabalhista.
 
Em um desses locais, descoberto em diligência conduzida no dia 6 de maio de 2014 pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) em atuação conjunta com MPT, Defensoria Pública da União (DPU) e Receita Federal, constatou-se que os trabalhadores ganhavam de R$ 3 a R$6 reais por peça produzida e cumpriam jornadas médias de 14 horas (bem mais do que o limite legal de 8 horas). Os seis bolivianos resgatados pouco falavam português e viviam com suas famílias no mesmo local de trabalho, costurando em máquinas próximas a fiação exposta, botijões de gás e pilhas de roupas (representando grave risco de incêndio). Alguns afirmaram ainda estar pagando pela passagem ao Brasil com o “salário” recebido pelas peças costuradas, o que, segundo o MPT, poderia ser indício de tráfico de pessoas para fins de trabalho.
 
Em um caso mais antigo que também foi considerado na ação, em 13 de novembro de 2013 fiscalização conjunta do MPT com o Ministério do Trabalho encontrou dois costureiros bolivianos que produziam peças exclusivamente para a marca no Bom Retiro, região central de São Paulo. O casal de bolivianos informou trabalhar, diariamente, das 7h às 22h. O local, sem divisão entre moradia e trabalho, estava em péssimas condições de higiene e tinha grande risco de incêndio.
 
Notas nas oficinas fiscalizadas pela força-tarefa mostravam que as roupas eram encomendadas pela M.Officer a empresas intermediárias, como a Empório Uffizi, que então as repassava à oficina clandestina. Uma nota fiscal eletrônica encontrada em fiscalização do MTE na sede da Empório Uffizi mencionava que a marca havia encomendado 331 unidades da “calça diferenciada Chamois – M.Officer”, pagando à Uffizi R$52 reais por peça. Esta, por sua vez, pagou ao dono da oficina R$13 por peça. Normalmente, apenas um terço dos valores recebidos da intermediária era repassado aos costureiros, ainda que produzissem a peça por completo.
 
Modelo de produção
 
Quando a M.Officer foi questionada pelo MPT sobre como escolhe seus fornecedores, disse não saber dizer qual o valor pago aos costureiros subcontratados ou como são as condições de saúde e segurança nos locais de trabalho pois esta responsabilidade era de seus fornecedores. Para a procuradora Tatiana, a empresa “fechou seus olhos de forma proposital e deliberada: não lhe interessava saber quem, como e onde foram produzidas suas peças”. A M5 regularmente utilizaria a estratégia de pulverizar sua produção, isentando-se de qualquer responsabilidade pelas irregularidades verificadas em sua cadeia de produção.
 
Para o MPT, o modelo de produção da M5 corresponde ao sweating system (sistema do suor), bastante comum na indústria da moda: “Ele se baseia extensão irregular e subterrânea da planta industrial, com vistas a manter trabalhadores que são vítimas de tráfico de seres humanos, num mesmo espaço de trabalho e moradia, laborando por quase nada, em jornadas extremas e condições subumanas”, afirmam os procuradores na ação.
 
O valor da sentença será destinado ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Ainda cabe recurso à decisão.

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