Justiça determina que município de Guarujá implemente ações para impedir trabalho infantil nas praias
Decisão é resultado de ACP ajuizada pelo MPT. Entre as medidas determinadas está a destinação de 1,5 % do orçamento do município no próximo exercício financeiro para o desenvolvimento das ações
19/12/2023 - A Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou, por maioria, que o Município de Guarujá (SP) destine orçamento público para políticas voltadas à erradicação do trabalho infantil na orla marítima da cidade. A decisão é resultado de uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), que alegou omissão do município de Guarujá diante de graves violações aos direitos da criança e do adolescente em razão do trabalho precoce em suas praias.
Em caso de descumprimento, a prefeitura deverá pagar multa diária de R$ 20 mil.
A decisão estabelece dotação de 1,5% do orçamento do município para a implementação de políticas públicas e programas sociais de combate ao trabalho infantil. No exercício do ano seguinte, a verba deverá ser ampliada para 2,5%.
O colegiado ainda fixou prazo de 90 dias para que o município identifique as crianças e os adolescentes em situação de trabalho infantil, bem como os locais de maior incidência desse tipo de ocorrência. Periodicamente, deverão ser realizadas campanhas de conscientização da população para combate e desestímulo ao trabalho precoce. O município também foi condenado a pagar indenização por danos morais coletivos de R$ 300 mil.
Lembre o caso - em 2023, durante uma operação de fiscalização planejada pelo MPT em parceria com a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (SRTE) para coibir a exploração do trabalho infantil, foram identificados 20 adolescentes menores de 18 anos, dois deles com 15 anos, realizando atividades que são enquadradas no conceito de piores formas de trabalho infantil. Eles trabalhavam longas jornadas sob sol forte, carregavam materiais e objetos pesados e serviam bebida alcoólicas aos frequentadores das praias, atividade proibida a adolescentes nessa faixa etária. Pelo serviço, recebiam entre R$ 20 e R$ 30 por dia.
Os quiosques flagrados mantendo adolescentes em situação de exploração de trabalho foram autuados pelos fiscais da SRTE e o MPT ofereceu ao município um Termo de Ajustamento de Conduta em que a prefeitura se comprometia em adotar várias ações para coibir a prática. Após várias negociações, o município se negou a firmar o TAC e o MPT entrou com uma ação civil pública na justiça do Trabalho pedindo a condenação do município ao pagamento de indenização por danos à coletividade e à obrigação de adotar medidas para erradicar o trabalho infantil no Guarujá.
O juízo de primeiro grau e o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região julgaram improcedentes os pedidos do Ministério Público. Conforme o TRT, as pretensões do MPT caracterizam violação ao princípio constitucional da separação dos Poderes e não caberia à Justiça do Trabalho forçar o Poder Executivo a destinar orçamento e implementar ações no combate ao trabalho infantil.
No recurso ao TST, o Ministério Público argumentou que a condenação do município no cumprimento de obrigações referentes à erradicação do trabalho infantil não ofende o princípio da separação dos poderes. Segundo o órgão, o objetivo é dar efetividade às normas constitucionais e ordinárias de proteção à criança e ao adolescente. Além disso, sustentou que a omissão do município na fiscalização vem causando danos de natureza patrimonial e extrapatrimonial a toda a sociedade, o que justifica o pagamento de danos morais coletivos.
Concretização de direito fundamental - Para o relator do recurso no TST, ministro Agra Belmonte, “o Poder Judiciário detém competência para, em situações excepcionais, determinar a implantação de políticas públicas, com vistas a assegurar a concretização de direito fundamental essencial, sem que isso implique violação ao princípio da separação dos poderes”. Por isso, não se fere a autonomia do município.
O ministro destacou que o tema já foi tratado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), segundo o qual é possível o controle judicial das políticas públicas sem que isso ofenda à tripartição dos poderes. Lembrou também que recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que “o Poder Judiciário pode determinar, ante injustificável inércia estatal, que o Poder Executivo adote medidas necessárias à concretização de direitos constitucionais dos indígenas”.
Atuação da Justiça Social - Ainda para Agra Belmonte, convém à Justiça do Trabalho, que tem o lema de Justiça Social, enfrentar as questões judicializadas referentes à utilização e ao tratamento do trabalho humano, “sobretudo porque, no caso, estão inseridas no âmbito da proteção constitucional”.
Ele enfatizou que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece que a política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente deve se dar por meio “de um conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”.
O relator ressaltou, ainda, que o Brasil firmou compromisso mundial de erradicar o trabalho infantil até 2025, conforme o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS 8 - subitem 8.7) da Agenda 2030. Isso requer, segundo ele, medida efetiva do Poder Judiciário diante da inércia do Poder Público em implementar direitos fundamentais previstos na Constituição.
Decisão - Além de fixar dotação orçamentária mínima para o enfrentamento ao trabalho infantil, por maioria, a Oitava Turma do TST ainda determinou que o município crie uma política contínua de fiscalização e identificação de crianças e adolescentes vítimas dessa prática. O encaminhamento e o acompanhamento desses jovens devem estar definidos em plano de trabalho.
O plano deverá tratar da educação e da formação profissional e do acompanhamento e do cadastro das famílias em programas de assistência social.
O documento deverá ser apresentado em 120 dias e construído em conjunto com o MPT e com a participação do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e do Ministério Público Estadual.
A adoção das medidas deverá ser comprovada à Justiça do Trabalho nos prazos fixados, sob pena de multa diária de R$ 20 mil, reversíveis ao Fundo da Criança e do Adolescente Municipal.
Processo: RR-959-34.2015.5.02.0302