Prêmio Nobel da Paz participa de lançamento oficial da #somoslivres
Campanha do MPT e da Conatrae marca ofensiva contra retrocessos no combate ao Trabalho Escravo
São Paulo - O Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Conatrae (Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo) lançaram ontem, 29, a campanha #somoslivres com objetivo de conscientizar a população sobre o que realmente significa o trabalho escravo e atacar possíveis retrocessos na legislação brasileira sobre o assunto. O lançamento contou com a presença do Prêmio Nobel da paz Kailash Sathyarti, além de representantes da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Tribunal Superior do Trabalho (TST), Ministério do Trabalho e Emprego e das comissões estadual e municipal de combate ao trabalho escravo no auditório da Faculdade Cásper Líbero em São Paulo (SP), com mediação da atriz Camila Pitanga.
“A sociedade brasileira sabe que existe trabalho escravo, mas o confunde com irregularidades trabalhistas simples”, afirmou a procuradora do Trabalho Christiane Vieira Nogueira, do MPT, que representava o órgão ao lado da subprocuradora-geral do Trabalho Sandra Lia Simón, do vice-procurador-chefe do MPT-SP Wiliam Bedone e do procurador do Trabalho Rafael Garcia Rodrigues, coordenador da Conaete (Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo), do MPT. “Além disso, a maioria não tem ideia do que acontece nos grotões do país, nos alojamentos das grandes obras, nas oficinas de costura”, completou.
Segundo a ONG Repórter Brasil, 70% dos entrevistados em pesquisa da Ipsos sobre a percepção dos brasileiros acerca do trabalho escravo sabem que ele existe. Entretanto, falta conhecimento sobre o assunto. 24% dos entrevistados, por exemplo, acreditam que ganhar abaixo do piso salarial da categoria configura por si só servidão, enquanto 19% acreditam que as horas extras são também trabalho escravo.
Um dos pilares da campanha, cujos conceitos e design foram concebidos de forma pro bono pela agência Ideal (SP), serão as redes sociais. A hashtag #somoslivres, compartilhada ontem pelo MPT no Facebook, pede que pessoas comuns gravem vídeos contando como foi o pior dia de trabalho de suas vidas, para estimular a reflexão sobre a experiência em comparação com os horrores de uma situação de trabalho escravo. O ator Wagner Moura voluntariamente gravou um dos primeiros depoimentos, que pode ser acessado em vídeo no site oficial da campanha www.somoslivres.org
“A percepção sobre um mal, sobre um crime, é o começo da mudança e de uma compreensão mais profunda sobre esse mal”, afirmou o indiano Kailash Satyarthi ao comentar a campanha. “Isso está acontecendo agora, e eu parabenizo vocês”. Após relatar como iniciou seu trabalho de libertação de crianças escravizadas na Índia, Kailash ressaltou a responsabilidade das empresas no mundo inteiro. “O crescimento da economia não pode se basear na servidão humana. Os que acreditam que a força de trabalho barata vai ajudar o crescimento econômico estão errados”, afirmou. Kailash ainda criticou os grupos que buscam reduzir o conceito de trabalho escravo na legislação brasileira, como é o caso das alterações que se pretende incluir no Projeto de Lei do Senado 432/2013, um dos alvos da campanha, cuja ideia é também fazer pressão sobre o Congresso pela rejeição dessas alterações.
Crime rentável “É fundamental que estejamos sempre unidos, ainda mais agora quando as forças conservadoras pretendem criar um retrocesso nos avanços que tivemos”, afirmou Sandra Lia Simón, representando no evento o procurador geral do Trabalho. O Brasil é referência mundial no combate ao trabalho escravo contemporâneo, cujo conceito está no art. 149 do Código Penal, abrangendo as hipóteses de trabalho forçado, servidão por dívida, jornada exaustiva e condições degradantes. O PLS 432 altera este artigo e considera somente o trabalho forçado e servidão por dívida, retirando os dois principais elementos que permitem a caracterização de trabalho análogo ao de escravo.
“O trabalho escravo o terceiro crime mais rentável do mundo”, afirmou o coordenador nacional do Programa de Combate ao Trabalho Forçado da OIT no Brasil, Luiz Antonio Machado. A OIT calcula que a servidão contemporânea traga um lucro global de U$ 150 bilhões. “O que move o trabalho escravo é a ganância, a busca por lucros incessantes. Porque as empresas precisam lucrar tanto? A que custo?”, pergunta-se.
Desde 1995, mais de 50 mil pessoas foram resgatadas do trabalho escravo, através de operações de fiscalização do Estado brasileiro, em atividades ligadas à agropecuária, ao extrativismo, à produção de roupas, à construção civil, ao comércio, à exploração sexual. Levantamento do MPT em 19 estados brasileiros mostrou que o número de ações civis públicas por trabalho escravo mais que dobrou nos últimos quatro anos: em 2015, 95 empresas foram processadas pelo MPT contra 54 em 2012.
O dia 28 de janeiro é considerado o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo em homenagem ao motorista Ailton Pereira de Oliveira e aos auditores do Trabalho Eratóstenes de Almeida, João Batista Soares Lage e Nelson José da Silva, assassinados em 2004 quando investigavam denúncias de trabalho escravo em Unaí (MG). “O dia 28 tem sua origem num momento trágico, em que perdemos 4 vidas de lutadores que acreditavam no projeto da sociedade brasileira. Nesse ano de 2016, é o primeiro ano que celebramos, com a condenação do mandante a 100 anos de prisão”, afirmou o ministro do TST Lélio Bentes no evento.
Site da campanha: www.somoslivres.org