MPT debate exploração sexual e tráfico de crianças no Brasil
Aspectos culturais e despreparo de autoridades dificultam combate ao crime que atinge principalmente jovens do sexo feminino e viceja em áreas de fronteira
São Paulo, 20 de junho - O Ministério Público do Trabalho (MPT) participou em 17/6 do seminário "Exploração sexual e tráfico de pessoas: aspectos relacionados ao trabalho escravo e infantil", que organizou em conjunto com o Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região (TRT2), a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI) e as ONGs Associação Brasileira de Defesa da Mulher da Infância e da Juventude (Asbrad) e Repórter Brasil.
Os debates foram mediados pela desembargadora Silvana Abramo (TRT2), pela procuradora do Trabalho Elisiane dos Santos (MPT-SP), ambas especialistas em combate ao trabalho infantil, pela porcuradora do Trabalho Christiane Nogueira (MPT-SP), especialista em combate ao trabalho escravo e tráfico de pessoas, e pelo jornalista de direitos humanos Leonardo Sakamoto.
O procurador do Trabalho Eduardo Varandas Araruna (MPT-PB) abriu o primeiro painel comentando investigações realizadas pelo MPT, ressaltando que a exploração sexual comercial de crianças e adolescentes não deve ser tratada apenas criminalmente, e sim em termos relação de trabalho. “Em muitos casos, o abuso começa em casa para terminar na rua, na forma de exploração sexual, em que existe dinheiro e outros bens envolvidos em troca (de atos sexuais)”, afirmou, ressaltando o papel da justiça trabalhista e do MPT em investigações e na punição de adultos que cometem o crime.
A relevância do aspecto trabalhista é confirmado por Renato Bignami, auditor do Ministério do Trabalho e Previdência Social, que teve acesso a escutas da rede de tráfico de mulheres brasileiras na Espanha. “O nível de violência que ocorre nesse submundo tem relação com o trabalho. As pessoas estavam ali pelo trabalho, estavam ali para explorar o trabalho, aquilo acontecia por conta do trabalho”, diz.
Vulneráveis
“94% das jovens exploradas são meninas, e destas mais de 70% são negras”, afirmou Isa Oliveira, do FNPETI. “O recorte de gênero e raça deve ser considerado”, diz. Djamila Ribeiro, secretária adjunta de Direitos Humanos do município de São Paulo, pontuou que a violação de direitos dessa população negra, jovem e feminina é “sistemática desde o período colonial”. Hoje, “meninas calungas de Goiás saem de casa muito jovens com 10, 12 anos, para trabalhar em casa de família, e dentro dessas casas elas são violentadas. As meninas e jovens negras são quem mais sofre esse tipo de violência no Brasil”, confirma.
Para Fabiana Galera Severo, representante da Defensoria Pública da União (DPU), a exploração e o tráfico para fins sexuais atingem principalmente "pessoas que se enquadram em diversos grupos vulneráveis ao mesmo tempo. São crianças, migrantes, migrantes desacompanhados, vítimas da miséria, pertencentes à população LGBT". Dentro da população LGBT, as transexuais e travestis são particularmente vulneráveis. “As trans estão mais sujeitas ao tráfico de crianças, porque não são aceitas pela família e pela sociedade, vão parar na rua", afirmou Thais Dumet, representante da OIT no Brasil.
Crime organizado e ausência de poder público
Entre os fatores que dificultam o combate à exploração estão as máfias locais e internacionais ligadas ao tráfico de drogas e de pessoas: "Junto com exploração sexual está o crime organizado, andam juntos", diz a procuradora Margaret Matos de Carvalho (MPT-PA). “O lucro é muito grande, especialmente para quem está na rede de exploração. E pessoas importantes da política da cidade também frequentam locais de exploração”.
Segundo Margaret, cada vez o mais o crime organizado dificulta o resgate e a obtenção de provas: “Boates acabam virando sítios particulares, porque aí a fiscalização não pode entrar. Em alguns casos, as meninas são entregues mediante pedidos por telefone”. Há hotéis, boates, frotas de táxi, agências de modelo envolvidos, inclusive para propiciar aberrações como os leilões de virgens, de acordo com Margaret
Para os palestrantes convidados, esse tipo de crime ocorre principalmente em regiões fronteiriças do Brasil e em locais em que o poder público tem pouco ou nenhum alcance. “As violações de direitos humanos nas fronteiras têm que ser tratadas do ponto de vista da ausência do estado. Não há creche, hospital, superintendência do trabalho, defensoria pública, infraestrutura”, afirma Grazielle do ó Rocha, da Asbrad. “Há necessidade de uma política de fronteira”, completa.
A falta de infraestrutura e preparo do poder público é determinante. “Não temos os recursos para receber uma criança que passou por essa situação. Em uma ocasião resgatamos uma menina e o colega teve que levar para a própria casa, para a esposa cuidar. Só no dia seguinte conseguiu levar a criança para outro município para que pudesse ser atendida”, afirma o Inspetor Gondim, da Polícia Rodoviária Federal. Além disso, “será que estamos capacitando nossos policiais para tentar identificar crianças que podem estar sendo traficadas?”, pergunta-se.
Lesões físicas e psicológicas irreparáveis
"Todos os casos (de exploração sexual infantil) ocorrem porque ainda temos uma sociedade que segmenta pessoas de maior ou menor importância. Ainda há um grupo de pessoas que veem determinadas crianças como inferiores a outras", afirmou Thais Dumet. Disto surge a noção de que as meninas exploradas são, de alguma forma, responsáveis pelo que ocorreu, ou já sabem o que estão fazendo. "A adolescente ainda não teve o tempo de amadurecimento de uma mulher adulta de escolher se quer ou não trabalhar no mercado no sexo. Ninguém escolhe com 12 anos", afirma Thais. "E ninguém escolhe quando não tem caminho", completa.
O procurador Eduardo Varandas relatou casos desoladores enfrentados pela procuradoria, e como causaram impacto. "Inquiri várias meninas exploradas. O momento que mais me marcou foi a primeira inquirição: eu vi um zumbi diante dos meus olhos. Um ser humano apático, sem brilho no olhar, sem riso, raiva, rancor, tristeza, raiva, nada", afirmou Eduardo. Os danos físicos encontrados nas crianças e adolescentes, como lesões permanentes em órgãos sexuais e DSTs, não superam os danos psicológicos: "Lesões psíquicas, como tendência suicida, uso de drogas, automutilação são comuns nessas crianças" que jamais se recuperam integralmente.
Morosidade
Segundo o juiz federal Carlos Haddad, o sistema da justiça criminal no país também não contribui com a punição de responsável pelos crimes descritos. "No Brasil, temos 39 presos por fins de exploração sexual, em um universo de mais de 600 mil presos", afirmou. "É pouco", conclui. Para ele, a morosidade nas condenações deve-se a fatores como as diferenças na defesa de réus de diferentes classes sociais (os mais ricos contratam bons advogados), o excesso de demanda sobre um sistema judiciário com capacidade insuficiente, inquérito policial pautado pela burocracia e a não-seletividade na escolha dos casos que valem a pena ser processados.